A personificação da máquina ironiza a disputa injusta entre ela e o homem.
"O ceifeiro pende mais a cabeça e vai caminhando sempre, a cortar o espaço com a foice que talha clareiras na seara!
– Esses bocados rezentos ficam!
– Lume nesses olhos! O que é verdete não se corta!
Atrás do rancho, a cachopada vai fazendo a respiga. O Agostinho Serra traz a terra de renda à Senhora Companhia e um punhado de arroz faz-lhe falta nas contas.
Nas goelas anda seca de Agosto, que os xabocos dos canteiros avivam. Os lábios sorvem as gotas de suor que escorrem sempre, como os canteiros fazem o remijo para as valas de esgoto.
O cuspo é baba de boi que deitam fora e fica a balouçar moinha que pede descanso, mas o trabalho não pode parar.
Não pode parar, porque lá em baixo, no aposento, o patrão está a fazer contas à colheita, que correu em boa maré.
Parece que dos braços as carnes caíram e só ficaram os ossos, como tomados de reumático, e os tendões retesados, como correias de debulhadoras em movimento.
Os peitos arfam, as pernas derreiam-se.
A malta trabalha em silêncio e só as foices e as espigas falam. As tosses, de quando em quando, dizem que ali vai gente – isso a distingue das máquinas, que não têm pulmões."
Belo texto , duro texto ...Só podia ser Alves Redol a falar. Infelizmente , mal ele sabia que nesta altura do séc.XXI o sentir que se desprende dele iria estar tão actual...
ResponderEliminarBeijinhos ,Eduarda
~ Quina
Não conhecia este texto, tão diverso e tão igual ao que se exige a quem trabalha nos dias de hoje.
ResponderEliminarPerfeita escolha minha amiga Eduarda.
Beijo doce.
Ná
PS. Fizeste-me rir com as favas. Esta favada ten dado que falar.
A mesma foto (por mim tirada) foi destacada como uma das fotos da semana na UIFOTO, onde eu e o José somos membros. Estou toda vaidosa :)
Adoro favas :) Felizmente aqui em casa, ambos gostamos, só o Pedro não... mas ele está longe...
Mais um beijo
Eduarda
ResponderEliminarNão gosto muito dos neo-realistas, mas reservo para o Redol um lugar entre os bem-amados. É tão grande o vigor da sua prosa, tão intenso e profundo o verbo nestes seus Gaibéus de que nos deixas, aqui, um naco para matar saudades! Bem-hajas!
Beijos
Quina
ResponderEliminarÉ duro.... violento que dói... actual. Tal como a realidade que se nos apresenta hoje.
Um beijo
Ná
ResponderEliminarObrigada pela gentileza com que te referes aos textos que publico. Acredita que por vezes me lembro do que alguns já esceveram, quando estou a ver dos nossos brilhantes notíciários, e... não é que muitas vezes até me parece que há ciclos que não acabam?
Um beijo
Fátima
ResponderEliminarOlha por acaso até nem me aflige muito esta corrente. Aprendi a gostar do Redol por influência do meu pai, que me deixou por herança quase toda a sua obra com excepção das peças de teatro (se calha também não gostava), e este Gaibéus achei que caía agora (salvo as devidas diferenças) que nem ginjas.
Também desta corrente Soeiro Pereira Gomes, tem um gingar de prosa necessário para a época, lembremo-nos dos "Esteiros".
Escreveram gritos de alerta em livros, que se muitos dos senhores que estão nos poleiros tivessem lido, provavelmente hoje governariam de formas bem diferentes.
Um beijinho grande