«Não é sinal de saúde estar bem adaptado a esta sociedade doente»
Jiddu Krishnamurti

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A personificação da máquina ironiza a disputa injusta entre ela e o homem.


"O ceifeiro pende mais a cabeça e vai caminhando sempre, a cortar o espaço com a foice que talha clareiras na seara!
– Esses bocados rezentos ficam!
– Lume nesses olhos! O que é verdete não se corta!
Atrás do rancho, a cachopada vai fazendo a respiga. O Agostinho Serra traz a terra de renda à Senhora Companhia e um punhado de arroz faz-lhe falta nas contas.
Nas goelas anda seca de Agosto, que os xabocos dos canteiros avivam. Os lábios sorvem as gotas de suor que escorrem sempre, como os canteiros fazem o remijo para as valas de esgoto.
O cuspo é baba de boi que deitam fora e fica a balouçar moinha que pede descanso, mas o trabalho não pode parar.
Não pode parar, porque lá em baixo, no aposento, o patrão está a fazer contas à colheita, que correu em boa maré.
Parece que dos braços as carnes caíram e só ficaram os ossos, como tomados de reumático, e os tendões retesados, como correias de debulhadoras em movimento.
Os peitos arfam, as pernas derreiam-se.
A malta trabalha em silêncio e só as foices e as espigas falam. As tosses, de quando em quando, dizem que ali vai gente – isso a distingue das máquinas, que não têm pulmões."





6 comentários:

  1. Belo texto , duro texto ...Só podia ser Alves Redol a falar. Infelizmente , mal ele sabia que nesta altura do séc.XXI o sentir que se desprende dele iria estar tão actual...
    Beijinhos ,Eduarda
    ~ Quina

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  2. Não conhecia este texto, tão diverso e tão igual ao que se exige a quem trabalha nos dias de hoje.

    Perfeita escolha minha amiga Eduarda.

    Beijo doce.



    PS. Fizeste-me rir com as favas. Esta favada ten dado que falar.
    A mesma foto (por mim tirada) foi destacada como uma das fotos da semana na UIFOTO, onde eu e o José somos membros. Estou toda vaidosa :)
    Adoro favas :) Felizmente aqui em casa, ambos gostamos, só o Pedro não... mas ele está longe...

    Mais um beijo

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  3. Eduarda

    Não gosto muito dos neo-realistas, mas reservo para o Redol um lugar entre os bem-amados. É tão grande o vigor da sua prosa, tão intenso e profundo o verbo nestes seus Gaibéus de que nos deixas, aqui, um naco para matar saudades! Bem-hajas!

    Beijos

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  4. Quina
    É duro.... violento que dói... actual. Tal como a realidade que se nos apresenta hoje.
    Um beijo

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  5. Obrigada pela gentileza com que te referes aos textos que publico. Acredita que por vezes me lembro do que alguns já esceveram, quando estou a ver dos nossos brilhantes notíciários, e... não é que muitas vezes até me parece que há ciclos que não acabam?
    Um beijo

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  6. Fátima
    Olha por acaso até nem me aflige muito esta corrente. Aprendi a gostar do Redol por influência do meu pai, que me deixou por herança quase toda a sua obra com excepção das peças de teatro (se calha também não gostava), e este Gaibéus achei que caía agora (salvo as devidas diferenças) que nem ginjas.
    Também desta corrente Soeiro Pereira Gomes, tem um gingar de prosa necessário para a época, lembremo-nos dos "Esteiros".
    Escreveram gritos de alerta em livros, que se muitos dos senhores que estão nos poleiros tivessem lido, provavelmente hoje governariam de formas bem diferentes.
    Um beijinho grande

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