Quantas vezes ouvi, em tom de velada repreensão, sábias vozes femininas, dizerem que o lugar da mulher é no lar, especialmente se a nobre tarefa da maternidade lhe bateu à porta.
Não foi exactamente esse o rumo que segui, e pela escolha, também não carrego culpa.
Tenho duas filhas, já adultas, e hoje posso dizer-lhes sem facilitismos, ou palavras bonitas, porque é que nem sempre, fui tão doce quanto gostariam, e porque é que impunemente, de quando em vez, o “NÃO” perentório, escamoteava as minhas inseguranças.
O mundo da forma que está, não foi feito para facilitar a minha tarefa de mãe-trabalhadora.
Quando engravidei da minha primeira filha, a ideia de parar de trabalhar, nem me passou pela cabeça.Primeiro porque precisava de dinheiro, e ainda mais, depois de a ter nos braços... O trabalho era parte integrante de minha vida, bem como a empreitada materna, estando descartada a hipótese de eliminar qualquer uma destas obrigações.
Sei da luta interior, que enfrentei, para me permitir aquilo que para qualquer homem, é apenas um processo natural: o direito ao trabalho.
Decidi por isso, que trabalho e eu viveríamos em comunhão, tentando a maior harmonia possível.
E foi a partir do momento, em que a minha primeira filha nasceu, que comecei a educá-la.
Não ensinei a um bébé de um dia, elementos de etiqueta, não lhe disse que não deveria pôr o dedinho no nariz, mas iniciei logo um processo de amor, e que ela era muito amada, e essa era razão, fundamental da sua presença no mundo.
E daí por diante, quando decidi que teria mais filhos, e nasce a minha segunda filha, o processo desenvolve-se de forma natural, sempre a fazer questão de transmitir que o trabalho da mãe, não era, nem nunca se tornaria num empecilho, que pudesse de algum modo, sobrepor-se ao amor que por elas tinha.
Quantas vezes ao ir para o trabalho, as duas me pediam para não ir e para ficar com elas a brincar, quantas vezes, quando alguma delas, doente, teve que ficar com alguma das avós, para eu passar o dia trancada no escritório? Cheguei a sentir-me a mais sinistra das mulheres.
Fiz questão de estar presente em pelo menos uma das refeições diárias, de acompanhar o trabalho da escola de estar com elas ao encerrar do dia , deitá-las na cama e combinar o fim de semana seguinte.
E pergunto-me agora, que mãe teria sido eu se tivesse deixado de trabalhar em prole das crianças?
Vejo-me estranhamente empobrecida. Sem trabalho teria sido por certo um ser humano mais pobre, dependente, e a dependência é sempre empobrecedora.
E estando eu reduzida ao pequeno mundo doméstico, que educação poderia trasmitir às minhas filhas? Não censuro todavia, as mães que por opção de vida entenderam que o melhor seria acompanhar os filhos desde o acordar, até à oração da noite.
Educação é palavra traiçoeira. Qualquer pessoa pode ser socialmente bem educada, sendo animicamente desprezível. É tempo de repensarmos o que quer dizer “educar”, e penso que essencialmente é o transmitir “um modo de vida”.
No meu conceito, as minhas filhas estão bem educadas, tornaram-se mulheres capazes, actuantes,dinâmicas, uma delas já é mãe, sem que para isso anulasse a sua participação na sociedade.
Não, não fui uma mãe ideal, e as minhas filhas até já descobriram o manancial dos meus defeitos, servem-se à fartazana, mas se eu não tivesse tido o meu próprio combóio, será que teria sido melhor educadora?
Juntas o dia inteiro, fermentaríamos os meus defeitos, num desgaste fatal para a nossa relação, e eu não ficaria mais mãe apenas pela kilometragem. Não creio que hoje conhecendo-me muito bem, me teçam um hino de louvores, mas vivo tranquila, pois o universo “dos bons modos”, é um problema que preocupa apenas as mentes dos “poucochinhos”!!!
Quero aqui também deixar uma palavra, ao amor de PAI, pois sem a sua ajuda, criar as mulheres que hoje temos, era tarefa bem mais difícil.